Há menus degustação que ultrapassam um salário mínimo e reforçam essa distância entre o alimento como prazer e o alimento como direito.

No Brasil, os restaurantes revelam muito mais do que hábitos alimentares — mostram quem somos e o que valorizamos. Há, de um lado, a gastronomia de necessidade, feita para alimentar, garantir o direito básico de comer e sustentar milhões de cidadãos que vivem desta cozinha. De outro, a gastronomia de entretenimento, que transforma o ato de comer em espetáculo, onde o preço é também uma forma de distinção. Nessa segunda, o chamado “prato de R$ 100” não é literal, mas simbólico: representa uma postura diante da comida, o desejo de pertencer a um circuito de prestígio onde a experiência vale mais que a refeição. Há menus degustação que ultrapassam um salário mínimo e reforçam essa distância entre o alimento como prazer e o alimento como direito.
Em teoria, o preço de um prato deveria ser resultado de uma conta justa: insumos, mão de obra, energia, impostos e lucro. Mas, na prática, muitos valores são definidos pelo que o público está disposto a pagar — não pelo que o prato realmente custa. Assim, o preço se torna um instrumento de exclusão disfarçado de sofisticação. Um mesmo preparo que custa R$ 15 em ingredientes pode chegar à mesa por R$ 200, embalado pela assinatura de um chef e por uma história de exclusividade.

Essa desigualdade fica evidente quando lembramos que o salário médio de um cozinheiro no Brasil é de R$ 1.893, enquanto uma refeição fora de casa custa, em média, R$ 51,61. Ou seja, quem cozinha muitas vezes não pode pagar para comer no restaurante onde trabalha. O país que celebra chefs em capas de revista é o mesmo onde cozinheiros enfrentam longas jornadas e baixos salários. Ainda assim, a comida continua sendo uma força de encontro e memória. Quando a gastronomia se fecha no luxo, ela perde a chance de ser ponte entre mundos. É urgente repensar não só o valor do que comemos, mas também as condições de quem planta, colhe e cozinha o que chega à mesa. Comer bem não deveria ser um privilégio — mas um direito, e um gesto de respeito por todas as mãos que sustentam esse ato.
TEXTO: GUSTAVO GUTERMAN – Cozinheiro profissional e professor adjunto no Instituto Federal Fluminense (IFF) – campus Cabo Frio, RJ. Mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é pós-graduado em Segurança dos Alimentos (Senac SP), formado pelo centro internacional Alain Ducasse Formation (ADF) e técnico em cozinha (Senac RJ).
TEXTO – VANESSA SANTOS– Pós-graduada em Negócios Gastronômicos, atua há seis anos como consultora de gastronomia no Senac Ceará, onde colabora com o desenvolvimento de projetos voltados à qualificação profissional, inovação e valorização da cadeia produtiva da alimentação no estado. Soma mais de 28 anos de trajetória na gastronomia, unindo sensibilidade, experiência prática e visão estratégica sobre o setor. É também coautora do blog Comida RJ-CE onde3 escreve com Gustavo Guterman.









